Por Brand Arenari *
Eleições municipais, apesar de conterem fortes elementos da política local, nunca estão separadas de um contexto maior, seja ele estadual ou nacional. As histórias e enredos que ali se desenvolvem estão, com variação de intensidade, conectados e mesmo dependentes de fatores mais amplos, permitindo que em muitas vezes tramas parecidas, ou com um eixo comum, surjam em municípios diferentes. Um caso notório desta dinâmica foi o que ocorreu nas eleições municipais de 2008. Estas foram as eleições com o maior número de prefeitos reeleitos. Aquele Brasil de 2008 vivia uma euforia com a popularidade de Lula, embalada pela prosperidade dos altos preços dos commodities. Todo mundo sentia que sua vida estava melhor, havia clima de esperança no ar, ninguém queria mudança, a maioria optou pela continuidade na lógica de que “não se mexe em time que está ganhando”. O contexto nacional ditou grande parte das narrativas locais.
Essa euforia passou e foi aos poucos dando lugar à desconfiança, o eleitor manteve-se conservador em 2012, sem arriscar mudanças, mas não com o mesmo entusiasmo. A título de exemplo, o Eduardo Paes ganhou com 64% dos votos no primeiro turno, em outros municípios tivemos cenários parecidos. A partir de 2013, o que era desconfiança vai se tornando revolta, primeiro nas ruas, depois nas urnas. Os preços dos commodities caíram e, no caso do Rio de Janeiro, a queda brutal no preço do petróleo atingiu em cheio o Estado e arrasou muitos municípios dependentes dessas receitas, isso incendiou ainda mais a massa inquieta. As eleições municipais de 2016 inauguraram um período de experimentação no eleitor, estavam dispostos a arriscar muito, a tentar algo totalmente diferente, um misto de profundas ansiedades e esperanças desesperadas moviam as pessoas. Nessas eleições o Rio elegeu Crivella com quase 60% dos votos, em muitos municípios lideranças novas venciam velhos clãs políticos, era o tempo do “novo”. Talvez o ponto culminante desse período tenha sido a eleição de Wilson Witzel para governador do Rio, um total outsider do jogo político derrotava um grande cacique da política fluminense, Eduardo Paes.
Porém, esse sonho de “furor revolucionário” foi se tornando pesadelo. A junção entre novos políticos com pouca experiência no executivo e uma resistente crise financeira no Estado e municípios, resultou em desastre e desilusão. O pleito eleitoral de 2020 refletiu esses sentimentos negativos, aqueles eleitores desiludidos apertaram o “botão de segurança” e reconduziram ao poder o que outrora chamavam de “velha política”, muitos dos antigos clãs voltaram ao poder. Como exemplo deste sentimento, podemos citar a volta de Eduardo Paes no Rio e dos Garotinho em Campos dos Goytacazes. O eleitor se comportara quase como aquela mulher ou homem que sai de casa em busca da realização do amor romântico, mas depois volta, derrotado (a), cansado (a) das desilusões, agora conformado (a) com a vida cotidiana.
Em um primeiro olhar, as eleições municipais fluminenses de 2024 representam a evolução dos sentimentos de 2020. Apesar de termos presenciado um altíssimo número de reeleições, quadro parecido com 2008, os sentimentos que as motivaram nada tem a ver com o que ocorreu na primeira década do século XXI, mas o contrário. A euforia e entusiasmo do início deste século, o qual foi dando lugar a revolta e experiências arriscadas e esperançosas, foi se transformando na terceira década em indiferença. Ao que parece, a continuidade dos grupos postos no poder, sendo que a maioria deles pertencentes aos já tradicionais clãs políticos do Estado, demonstrou um cansaço do eleitor com a vida democrática do voto. O paradoxo em questão é uma população que apresenta um alto grau de insatisfação com a política, um alto grau de insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, mas reelege, de maneira contundente, seus governantes.
A pergunta que nos resta é: Quais sentimentos ou quais ideias poderão despertar o eleitor deste aparente cansaço com o voto, um cansaço transformado em indiferença ou quase cinismo.
- * Brand Arenari é doutor em Sociologia pela Universidade Humboldt, Berlim Alemanha e professor e pesquisador do departamento de Ciência Política da UFF