Entrevista com Renata Souza (PSOL), vice de Tarcísio Motta (PSOL) à prefeitura do Rio

Jefferson Lemos

Dando prosseguimento à série exclusiva com os candidatos a vice-prefeito do Rio, o site COISAS DA POLÍTICA publica nesta segunda-feira (2) a entrevista com a deputada estadual Renata Souza, candidata a vice de Tarcísio Motta em uma chapa puro-sangue do PSOL.

  • Confira amanhã a entrevista com Vinícius Benevides (UP), vice de Juliete Pantoja (UP)

Renata Souza diz que máquina pública foi transformada em ‘pesado aparato político-eleitoreiro’

Em entrevista exclusiva ao site COISAS DA POLÍTICA, Renata Souza disse que a máquina pública foi “transformada em pesado aparato político-eleitoreiro” e que defende o investimento em concurso público.

Sobre armar a Guarda Municipal, a deputada disse que é “gastar o dinheiro público para matar as pessoas em vez de protegê-las”.  A Guarda hoje, segundo ela, é usada não para se proteger, mas para reprimir a população mais vulnerável,  como os trabalhadores informais e pessoas em situação de rua. Confira estes e outros assuntos a seguir:

COISAS DA POLÍTICA –  Pesquisas mostram que o Rio figura entre as piores cidades do  mundo em qualidade de transporte público. Os engarrafamentos são constantes e as pessoas  perdem horas no trânsito. Dá para resolver a questão da mobilidade na cidade? A Avenida Brasil tem jeito? 

RENATA SOUZA – Certamente que há soluções pra mobilidade no Rio, mas não por uma lógica centrada nos automóveis. A cidade precisa de políticas públicas centradas nas pessoas. A nossa cidade precisa estar preparada pra livre circulação das pessoas, sem discriminação de origem ou de destino, com segurança para os pedestres, para os ciclistas, para as pessoas que se movem em todo e qualquer tipo de veículo. Mas a prioridade deve ser para os meios de transporte coletivos e para as bicicletas, com responsabilidade em relação aos impactos ambientais. A nossa cidade precisa dar um salto de expansão na sua rede de trens e metrô, assim como tem que se libertar da máfia dos ônibus. Precisamos, sobretudo, garantir que os transportes funcionem de fato a serviço do povo e não como fonte de lucratividade para alguns poucos. Tarifa zero deve ser a meta para o quanto antes.

COISAS DA POLÍTCA – O Rio sofre com áreas controladas pelo crime, com roubos e furtos, arrastões etc. O que a prefeitura pode fazer pela segurança pública na cidade?

RENATA SOUZA – Engana-se quem subestima o papel da Prefeitura no que se refere à segurança pública. A Prefeitura tem um papel estrutural nesse setor, só que a sua contribuição prioritária é nas políticas de prevenção, enquanto o governo estadual e o federal devem ter centralidade não só na prevenção, mas na investigação e no enfrentamento ao crime. O Rio sofre, infelizmente, as consequências de um longuíssimo histórico de práticas desviantes do verdadeiro papel do Estado.  Até aqui têm prevalecido os interesses privados de uma minoria, para o terrível prejuízo do interesse público. Chegamos a um ponto perigoso em que por vezes já fica até difícil identificar as fronteiras entre o Estado e o crime organizado. Para reverter esse processo, urge que o Estado assuma um caráter de independência em relação aos interesses privados legais e aos ilegais. Só assim o Estado poderá cumprir o seu papel humanitário nos territórios, a serviço da garantia dos direitos das pessoas que neles vivem. Nesse sentido, as ações municipais,  estaduais e federais devem ser integradas. Por exemplo: para a Prefeitura garantir o funcionamento das escolas, dos postos de saúde, de serviços como o do recolhimento do lixo, o governo estadual precisa dar um basta na violência policial como a sua quase única ação nas favelas e nas periferias. Do mesmo modo, o governo federal deve agir no provimento de recursos e de ações para geração de emprego e renda nos territórios, para a superação da desigualdade socioeconômica. Com um plano de ações integradas, certamente teremos resultados sólidos, no curto, médio e longo prazos, pelo cumprimento da vocação da Prefeitura para a Assistência Social, Educação, Saúde, Cultura, Esporte e Lazer de toda a população. Creio que toda forma de violência perderá a sua força quanto mais o Estado e a sociedade fizerem prevalecer a dignidade humana. Esse pacto pela justiça social precisa ser firmado o quanto antes para o bem viver de todas as pessoas.

COISAS DA POLÍTICA – Você é a favor de armar a guarda municipal e transformá-la em polícia municipal?

RENATA SOUZA – Sou radicalmente contra o armamento da Guarda Municipal e contra a sua transformação em mais um braço policial do Estado. Já temos braços armados demais, e vemos no que tem dado o derramamento de tanto sangue, principalmente o sangue negro, jovem e pobre. Armar a Guarda é prosseguir no mesmo rumo das últimas décadas, de gastar o dinheiro público para matar as pessoas em vez de protegê-las. Armar a Guarda vai, dessa forma, desviá-la da sua vocação saudável na proteção dos bens comuns.  Além de tudo, armar a Guarda vai, inclusive, tornar os seus próprios agentes alvos da violência do crime organizado. Nossa proposta avança justamente na direção contrária: a Guarda precisa ser despolicializada, porque hoje é usada com os seus tasers e cassetetes, não para se proteger, mas para reprimir logo a população mais vulnerável,  como os trabalhadores informais e as pessoas em situação de rua.

COISAS DA POLÍTICA – A população de moradores  de rua, muitos deles usuários de drogas, não para de crescer na cidade. De quem é a culpa? E o que fazer para resolver esta questão?

RENATA SOUZA – O crescimento da população em situação de rua é fenômeno mundial, uma consequência do fracasso desse modelo capitalista que hoje controla o mundo. Nesse sistema, observamos também, não por acaso, o aumento gritante das desigualdades de classe, gênero e raça. Enquanto apenas 1% da humanidade controlam a metade das riquezas do mundo, a outra metade se estapeia pelas migalhas. Essa situação tem se intensificado desde a década de 90, com a progressiva perda de direitos do povo trabalhador, e piorou ainda mais com o advento da pandemia e do desequilíbrio ambiental. Aqui no Rio, enfrentamos como fatores agravantes a debilidade das políticas públicas em geral. No Rio, que concentra 10% das pessoas que passam fome no país, a população em situação de rua é expressão  da miséria e da insuficiência das políticas públicas. Para a maioria nas ruas, não se trata de escolha, mas de absoluta falta de opção, por uma condição de abandono completo. Chega a ser ridículo, além de perverso, apontar a população em situação de rua, como fazem certos setores, como culpada pela própria indigência, ou pior, como uma população perigosa, culpada pela violência nas ruas. Para começar,  não se trata de uma população uniforme. A rua acolhe pessoas de diversos perfis. Há pessoas solitárias e há famílias inteiras que dormem em calçadas. Há os famintos, os desempregados, os despejados de seus lares, os trabalhadores sem recursos para o ir e vir entre a casa e o trabalho, há as pessoas com transtornos de saúde mental, com ou sem dependência química de álcool e outras drogas. Nem no primeiro mundo há ausência absoluta de pessoas em situação de rua, mas certamente essa população se reduziria com um outro modelo econômico e com a alocação de mais recursos para a potencialização das políticas públicas de saúde mental, de assistência social, de moradia, de geração de emprego e renda e outras.

COISAS DA POLÍTICA – Algumas categorias de servidores têm se mostrado insatisfeitas, cobrando reajustes, implantação dos planos de cargos e salários e paridade com outras. Por outro lado, reclamam da máquina administrativa inchada por  cargos comissionados. Como resolver o impasse?

RENATA SOUZA – Trata-se de um falso impasse. Uma coisa e outra são realidade. Os servidores públicos têm a necessidade, a legitimidade e o direito em reivindicar plano de cargos e salários e remunerações justas. A valorização dos quadros públicos, junto do  investimento em formação e qualificação, é chave mestra para a oferta de serviços públicos de qualidade. Outra chave mestra é o concurso público como porta de entrada. Vemos hoje, infelizmente, uma máquina pública transformada em pesado aparato político-eleitoreiro, o que em grande parte explica o inchaço na quantidade de cargos em comissão. Vejamos bem: não devemos criminalizar os comissionados e muito menos considerá-los menos  merecedores de reconhecimento profissional, de remuneração justa ou de garantia dos seus direitos. Mas é necessário um plano de transição com a realização de mais concursos de modo a fortalecer a independência da máquina pública, para que possa funcionar a serviço do interesse público, de maneira menos vulnerável em relação a interesses circunstanciais e oportunistas de grupos políticos momentaneamente no poder. Não é nada saudável uma máquina pública na qual haja  predominância dos cargos em comissão.

COISAS DA POLÍTICA –  Caso sua chapa seja eleita, qual será seu papel ao lado do prefeito? Pretende assumir alguma secretaria? Qual será sua atuação no governo? O que foi negociado?

RENATA SOUZA – Nossa chapa respira socialismo e liberdade. O diálogo interno no PSOL em nada se assemelha às típicas negociações da velha direita. Fui convidada a compor a chapa como vice pelo meu tamanho político, eleita em 2022 como a mulher mais votada da Alerj e com expressiva votação no município do Rio, em especial com avanço significativo pela Zona Norte, inclusive na Maré, favela onde nasci e me criei. Ser a vice nessa chapa tem esse forte recado de um PSOL em transformação, com mulheres pretas como eu no protagonismo das lutas populares da cidade. Se a nossa chapa for a escolhida pelos eleitores cariocas, isso vai significar que o nosso eleitorado também amadureceu uma nova compreensão sobre a política e terá escolhido o programa mais robusto e sincero no que se refere ao comprometimento com as causas e as necessidades do povo, em especial,  do povo que mais sofre com a lógica de precarização e de privatização dos serviços públicos.

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Jefferson Lemos é jornalista e, antes de atuar no site Coisas da Política, trabalhou em veículos como O Fluminense, O Globo e O São Gonçalo. Contato: jeffersonlemos@coisasdapolitica.com.br
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