O julgamento da APPF 635, que restringe as ações das polícias nas favelas do Rio de Janeiro e impacta diretamente na política de segurança pública, pode não apenas sinalizar, mas contribuir de fato para conter – ou não – o crescimento das áreas dominadas pelo crime organizado. A medida, que começou a ser apreciada nesta quarta (5) pelo STF, foi editada em 2019 durante a pandemia a pedido do PSB, sob o argumento de que as operações policiais aumentavam a letalidade nas comunidades. Ela tinha como objetivo reduzir o número de mortes durante as operações das polícias, mas na prática tem beneficiado os bandidos, denunciam parlamentares contrários.
Novo presidente da Comissão de Segurança Pública do Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) já declarou que pretende usar o colegiado para barrar a decisão do STF, que segundo ele está atrapalhando a atuação de policiais em todo o país. “Eu vou tentar usar a força da Comissão de Segurança Pública para que essa ADPF 635, que hoje está no Supremo, com relatoria do ministro Edson Fachin, seja arquivada, seja declarada improcedente, porque está gerando muitos efeitos, não só no Rio de Janeiro, mas pelo Brasil, ao impedir o trabalho dos nossos policiais.” Esta não é a única prioridade de Flávio Bolsonaro à frente da CSP. Ele também disse que pretende votar um pacote de medidas contra crimes violentos. “Aprovando o pacote anticrime violento e pondo fim à ADPF 635, eu, se conseguir essas duas coisas, vou sentir um sentimento de missão cumprida à frente da comissão”, afirmou o senador.
Parlamentares argumentam que após a ADPF 635 entrar em vigor, as áreas controladas pelo crime organizado aumentou vertiginosamente, boa parte delas estão sob o domínio do Comando Vermelho (CV). Relatório da CNJ divulgado no ano passado mostrou que o CV é a facção que mais cresce e se fortalece no estado, usando e abusando da violência e se utilizando de armas de guerra e táticas de guerrilha e terrorismo. Recentemente o CV tem retaliado as ações da polícia com ordens para roubos de veículos e utilizando a população civil como escudo humano, para forçar as forças de segurança a recuarem, como ocorrido em outubro passado na Av. Brasil, que deixou três civis mortos.
O governador Cláudio Castro (PL) se manifestou contra as limitações impostas pela ADPF, criticando os critérios restritivos para as operações nos territórios em poder do crime organizado. “Os casos complexos são esse critério de extraordinariedade, que vem de encontro à ostensividade, que é o trabalho da polícia. Quando você cria uma ideia de extraordinariedade, tiramos do povo, da comunidade, o direito de ter uma polícia ostensiva”, declarou.
O deputado federal General Pazuello, membro da CSP, defendeu que a medida precisa ser debatida. “Essa ADPF precisa ser conversada (…) obstáculos jurídicos que dificultam a execução do enfrentamento tornam a situação ainda mais desafiadora.”
A ADPF 635 prevê o uso obrigatório de câmeras nas fardas e viaturas policiais e a instalação de equipamentos de geolocalização (GPS). Para especialistas em segurança pública, a medida pode expor o posicionamento dos policiais em casos de vazamento. A ADPF também restringe a limitação do uso de helicópteros em operações, limitando o apoio aéreo ao policial a pé ou na viatura, tornando-o mais vulnerável a ataques criminosos. Também restringe ações perto de escolas, creches e hospitais e impede que essas unidades sejam usadas como bases policiais. Ironicamente, desde então estes imóveis vem sendo cada vez mais utilizados como bases do tráfico e esconderijo de armas e drogas.
Até o prefeito Eduardo Paes (PSD), acusado por opositores de lavar mãos para a questão da segurança pública veio a público nesta semana reconhecer que a ADPF 635 permitiu o crescimento das áreas controladas pelo tráfico e afetou o ordenamento urbano da cidade. Em suas redes sociais, chegou a chamar a ADPF de “resort para delinquentes”, sugerindo também que as restrições impostas ao trabalho da polícia favorecem criminosos.