Construtoras burlam veto ao aluguel por curta temporada manipulando assembleias

Jefferson Lemos
A prática, que deveria ser vetada por decreto municipal, tem sido autorizada em assembleias de condomínio com apoio de síndicos profissionais indicados pelas incorporadoras (Divulgação/PMSP)

Enquanto a Câmara Municipal do Rio de Janeiro se prepara para votar um projeto que regulamenta o aluguel por temporada via plataformas como Airbnb, São Paulo revela como investidores e construtoras driblam a legislação em imóveis destinados à moradia social. A prática, que deveria ser vetada por decreto municipal, tem sido autorizada em assembleias de condomínio com apoio de síndicos profissionais indicados pelas incorporadoras.

Em um condomínio na Vila Mariana, por exemplo, 22 das 63 unidades são usadas para hospedagem temporária. Uma moradora tentou assumir o cargo de síndica para barrar os aluguéis, mas foi impedida pela construtora, que mantém o controle da gestão nos dois primeiros anos. Um e-mail do síndico afirma que “a convenção do condomínio não proíbe expressamente esse tipo de locação”.

Imóveis sociais vendidos por até R$ 1,5 milhão em áreas nobres

A crise vai além do uso indevido. Apartamentos construídos com incentivos fiscais e urbanísticos para famílias de baixa renda estão sendo vendidos por valores que ultrapassam R$ 1 milhão. Um imóvel próximo ao Parque Ibirapuera, por exemplo, foi negociado por R$ 1,5 milhão, segundo revelou o UOL.

Um advogado afirma que comprou dois apartamentos sem saber que se tratavam de unidades HIS. “Só descobri no momento de emitir a matrícula. Quando reclamei, a construtora me acusou de fraude. Nosso receio é que, no fim, a conta recaia sobre os proprietários”, diz.

Justiça tenta conter avanço, mas liminares são derrubadas

Em outro condomínio, cerca de 30 das 152 unidades funcionam como apart-hotéis. Uma servidora pública relata que vive em meio a hóspedes rotativos e que o caso foi levado ao Ministério Público. Uma ação civil pública foi arquivada, mas moradores abriram novo processo na Justiça. A liminar que proibia os aluguéis foi suspensa em julho, após recurso do condomínio.

CPI investiga fraudes

O decreto municipal que regulamenta o setor prevalece sobre convenções condominiais, que não podem contrariar a lei. Como não está sendo respeitado, a Câmara Municipal de São Paulo instaurou uma CPI para investigar o uso indevido das plataformas de hospedagem.

A prefeitura também iniciou auditoria interna e revisa R$ 249,6 milhões em isenções fiscais concedidas a construtoras entre 2021 e 2024.

As incorporadoras negam responsabilidade, enquanto os moradores denunciam abandono.

Rio se prepara para votar regulamentação em meio ao alerta paulista

No Rio de Janeiro, o projeto de lei que regulamenta o aluguel por temporada prevê que a autorização seja decidida em convenção condominial. A proposta passou por 12 audiências públicas, terá mais uma e depois deve ir à votação no mês que vem. Mas o exemplo paulista mostra que, mesmo com regras, a prática pode escapar ao controle — e transformar moradia social em negócio privado.

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Jefferson Lemos é jornalista e, antes de atuar no site Coisas da Política, trabalhou em veículos como O Fluminense, O Globo e O São Gonçalo. Contato: jeffersonlemos@coisasdapolitica.com.br
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