Niterói: dinheiro público sobra nos palcos, mas falta nas escolas

Jefferson Lemos
Enquanto milhões são destinados a shows e festivais, a Prefeitura vetou o projeto que previa a implementação de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) nas escolas públicas (Reprodução)

Prefeitura gasta mais de R$ 90 milhões em shows e eventos, mas barra projeto para crianças com dificuldades de comunicação

Levantamento da oposição aponta que a Prefeitura de Niterói já teria desembolsado mais de R$ 90 milhões em eventos culturais apenas em 2025. Só em outubro, quase R$ 1 milhão foi destinado a cachês de artistas e celebridades para a Festa Literária Internacional de Niterói (FLIN) e o Circuito Quatro Estações. Enquanto isso, a gestão municipal vetou um projeto que garantiria recursos de comunicação alternativa para crianças autistas e com deficiência na rede pública de ensino.

Na justificativa do veto, a prefeitura alegou, que segundo análise técnica, a adoção exclusiva de tablets com softwares especializados poderia custar entre R$ 469 mil e R$ 1 milhão – o mesmo valor dos cachês – mas que nesse caso foi considerado incompatível com a realidade financeira do município.

Autora do projeto, a vereadora Fernanda Louback (PL) anunciou que vai protocolar requerimentos cobrando transparência nos contratos e levar o caso ao plenário. Outros parlamentares também criticam a prioridade da prefeitura.

A farra dos cachês

Entre os dias 16 e 19 de outubro, a Prefeitura autorizou pagamentos que somaram mais de R$ 800 mil em cachês artísticos, contratados sem licitação, amparados na Lei Federal nº 14.133.

Principais valores:

– Geraldo Azevedo – R$ 150 mil
– Miguel Falabella – R$ 80 mil
– Monja Coen – R$ 80 mil
– Zeca Camargo – R$ 57,9 mil
– Paulinho Moska – R$ 32 mil
– MC Marechal – R$ 30 mil
– Fran Gil – R$ 40 mil
– Mia Couto – R$ 40 mil
– Caco Barcellos – R$ 40 mil
– Barbara Reis – R$ 35 mil
– Thalita Rebouças – R$ 21 mil
– Raphael Montes – R$ 17 mil
– Itamar Vieira Junior – R$ 10,2 mil

Além dos cachês, houve a locação do Centro Petrobrás de Cinema por R$ 60 mil.
Em janeiro, outro contrato direto de R$ 450 mil foi autorizado para a “Festa Luís de Camões”, reforçando o peso dos eventos no orçamento da Secretaria Municipal das Culturas.

O veto às crianças atípicas

Enquanto milhões são destinados a shows e festivais, a Prefeitura vetou o projeto de Louback que previa a implementação de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) nas escolas públicas.

O plano previa tablets avaliados em R$ 939 cada, com custo total de cerca de R$ 469 mil para atender 500 alunos. A gestão alegou impacto orçamentário e defendeu alternativas mais baratas, como pranchas impressas, estimadas em R$ 51 mil.

Louback rebateu: “É inaceitável que a Prefeitura encontre milhões para bancar cachês de shows, mas diga que falta orçamento para garantir o básico às crianças atípicas. Isso revela uma escolha política: priorizar marketing em vez de garantir direitos.”  Ela postou um vídeo impactante em suas redes sociais em que mostra a dificuldade enfrentada pelas crianças atípicas. (Clique aqui para ver o vídeo)

Reações da oposição

– Vereador Daniel Marques (PL): “Muito mais imoral e politicagem do que ilegal. Para mim, não caberia inexigibilidade nesse volume. Certamente não houve prioiridade e nem razoabilidade. Sob a justificativa que nao se deve precificar o trabalho do artista fazem uma farra”.

– Vereador Allan Lyra (PL): “Os gastos são claramente excessivos e não há transparência. Já estamos cobrando informações e denunciando nas redes sociais.”

O contraste

De um lado, R$ 90 milhões em eventos e cachês milionários. Do outro, o veto a uma política pública que poderia garantir dignidade e inclusão a centenas de crianças não verbais.

Louback promete levar o caso aos órgãos de controle, caso sejam confirmados excessos ou falta de transparência. A oposição já articula pressão política para que a Prefeitura explique por que há sempre dinheiro para palco, mas nunca para incluir quem mais precisa.

O que diz a prefeitura

A Prefeitura de Niterói justificou o veto ao projeto da vereadora Fernanda Louback alegando que a proposta, embora meritória, geraria impacto orçamentário elevado e inviável para execução em larga escala. Alegou ainda vício de iniciativa para não sancionar o projeto que beneficiaria centenas de crianças. (Clique para conferir a íntegra do veto)

Compartilhe Este Artigo
Jefferson Lemos é jornalista e, antes de atuar no site Coisas da Política, trabalhou em veículos como O Fluminense, O Globo e O São Gonçalo. Contato: jeffersonlemos@coisasdapolitica.com.br
Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *