A polêmica envolvendo donos de imóveis favoráveis e contrários ao aluguel de imóveis por aplicativos como Airbnb e Booking.com deve ganhar novo contorno com a revisão do Código Civil. A proposta entregue em abril ao Senado por um grupo de 38 juristas prevê a necessidade da aprovação pelo condomínio para as locações de curto período, diferente do que acontece hoje.
Atualmente o impasse se dá por questões como a segurança, devido ao entra e sai de pessoas estranhas ao condomínio, que também utilizam suas áreas comuns como piscinas e academias e em alguns casos causam transtornos com festas e barulho. Mas de outro lado, há quem defenda o direito à propriedade do imóvel e à sua locação, garantidos constitucionalmente.
Recentes decisões do STJ colocaram o debate em um limbo jurídico. De um lado a locação por aplicativos foi considerada distinta das formas convencionais de locação de imóveis ou hospedagem em estabelecimentos como hotéis. Assim, embora não seja ilícita, por ter um caráter comercial ela não poderia ser praticada em condomínios residenciais, salvo autorização expressa da convenção.
De outro, o mesmo STJ reconheceu que esta decisão foi tomada apenas levando em conta a finalidade residencial do condomínio e a natureza da atividade exercida. O caso envolvia várias peculiaridades que levaram os ministros a entender que a negociação tinha finalidade comercial. No entanto, o STJ reconheceu que isso não implica que toda locação via Airbnb seja automaticamente categorizada como atividade dessa natureza.
Muitos juristas afirmam que a proposta contida na mudança do Código Civil pode jogar mais lenha na fogueira, visto que embora alguns prédios proíbam a prática da locação de curta duração por entenderem que se assemelha à hotelaria, o aluguel por temporada no Brasil é legal, previsto na Lei do Inquilinato. E proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito Constitucional de propriedade de quem aluga o seu imóvel, como argumenta o Airbnb, qua apenas faz a intermediação entre o proprietário e o inquilino.
Receita quer cobrar imposto
Alheia à confusão jurídica, a Receita Federal está estudando medidas para cobrar impostos sobre a renda não declarada com aluguéis de imóveis por meio do Airbnb, Booking.com e outras plataformas digitais. O assunto veio à tona no último dia 5, em uma reunião entre representantes do setor e o secretário do Fisco, Robinson Barreirinhas, conforme confirmou à BNN o presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (Fohb), Orlando de Souza.
O Fohb estima que a sonegação nos últimos cinco anos pode alcançar R$ 15 bilhões e diante de um rombo fiscal que não para de crescer o Governo Lula não quer deixar escapar a oportunidade de contar com esses recursos para tentar equilibrar as contas públicas. Para tanto, estuda passar um pente fino “pente-fino” nas declarações dos últimos cinco anos, com eventual cobrança retroativa. A ideia é criar um sistema que facilite o cruzamento de informações nessas operações específicas.
O modelo de negócio, no entanto, não deve sofrer alteração, apesar de pessoas reclamarem que compraram imóveis em condomínios residenciais que viraram uma mistura de flat com hotel.
“Ninguém está discutindo o modelo de negócio. Esse é um debate já superado. É um modelo como iFood e Uber. A questão é o desequilíbrio concorrencial”, afirmou Souza em uma outra entrevista, concedida ao Estadão.
Para ele, é necessário que o governo garanta a taxação da renda dos anfitriões para se alcançar uma situação mais isonômica.
“Hoje, você tem o setor da hotelaria, que é altamente regulado na parte trabalhista, tributária, ambiental e de segurança. E tem um modelo que concorre com a hotelaria e que não tem regulação nenhuma”, argumentou.
Assim como na atividade de locação tradicional, os valores recebidos pelos chamados anfitriões (donos dos imóveis alugados pelas plataformas) estão sujeitos a Imposto de Renda (IR). No entanto, o setor hoteleiro reclama que a sonegação é grande e torna a competição injusta.
Embora a Receita não comente oficialmente o assunto, pessoas a par do tema afirmam que o Fisco já vem se mobiliando sobre a questão dos aluguéis e que há uma negociação sobre novas medidas que devem ser anunciadas ainda neste segundo semestre.
A tendência é abrir a possibilidade de autorregularização pelos contribuintes, o que reduziria a multa devida. Um caminho seria copiar o modelo já utilizado em aluguéis de longa duração. As imobiliárias tradicionais são obrigadas a informar a Receita sobre as operações de aluguel por meio da Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob).
Assim, o Fisco poderia cruzar as informações da empresa com as dos clientes e cobrar os impostos devidos.
Essas medidas estão alinhadas com o esforço da Receita para aumentar a conformidade tributária e podem ajudar a fechar as contas do governo. É um primeiro passo importante para garantir maior justiça fiscal no setor de aluguel de imóveis via plataformas digitais.
Em nota o Airbnb argumenta que os anfitriões são responsáveis por recolher os impostos e que a plataforma tem focado na educação de sua comunidade, orientando sobre suas obrigações tributárias no País. A empresa destacou que a locação por temporada não se configura como uma atividade comercial hoteleira, diferenciando-se dos serviços oferecidos por hotéis, o que justificaria a forma distinta de taxação. O Booking.com ainda não se pronunciou.