O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi feliz em sua primeira viagem internacional do ano. Ele bem que tentou aumentar a influência brasileira no continente africano, mas o fato é que perdeu o bonde da história. Chegou tarde e agora terá o dissabor de disputar espaço com dois gigantes: China e Rússia.
Como não bastasse, as intenções de Lula com a África acabaram ofuscadas pela má repercussão de suas declarações, referentes à reação de Israel ao ataque terrorista do Hamas. Comparar a operação israelense em Gaza com o Holocausto gerou uma grave crise diplomática entre os dois países.
Nos dois primeiros governos Lula, o Brasil havia se aproximado da África através de acordos bilaterais envolvendo comércio e prestações de serviços. Mas retomar os laços com o continente será uma tarefa nada fácil.
Em 2003 o Brasil era o 16º principal exportador para a África, enquanto a China ocupava a 7ª posição. Quase duas décadas depois, o gigante asiático se tornou, em 2022, o maior exportador para o continente africano. O Brasil, no mesmo período, subiu apenas uma posição no ranking (dados da Apex-Brasil).
China e Rússia têm investido pesado no continente africano. A Nova Rota da Seda chinesa chegou a investir em um único ano US$ 28,5 bilhões na infraestrutura nos países africanos e hoje já controla vários bancos no continente.
A Rússia, por sua vez, fez acordos bélicos com 40 dos 54 países africanos, que em sua maioria nutrem cada vez mais o sentimento nacionalista contra os colonizadores europeus.
O fato fez com que a própria Europa e os Estados Unidos voltassem os olhos para o continente, que é fornecedor de importantes matérias primas, o que deixou o Brasil ainda mais para trás na disputa pela simpatia dos governantes locais.
Tanto que durante a visita de cinco dias ao continente africano, com compromissos oficiais no Egito e na Etiópia, Lula enfrentou vários percalços, com compromissos cancelados de última hora que irritaram o presidente. Ele até optou por não comparecer a um jantar oferecido pelo primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, aos participantes da cúpula da União Africana.
A falta de estratégia do governo brasileiro para reverter o distanciamento dos países da África nos últimos anos esbarra, ainda, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que antes financiava a exportação de serviços e facilitava a atuação de construtoras brasileiras no exterior, como em Moçambique.
Mas após a inadimplência de alguns países africanos e o escândalo envolvendo o desvio de dinheiro público mostrado pela Lava-Jato em operações no continente, o BNDES teve seus empréstimos restringidos nos governos Temer e Bolsonaro, que optaram por acordos bilaterais com outros países.
Sem muito o que fazer na África, restou ao governo dizer que o Brasil tem como uma de suas bandeiras da presidência temporária do G20 a reforma da governança global, em particular na área da economia, propondo, inclusive, o perdão da dívida de países africanos, ou, pelo menos, melhores condições de financiamento.
Na Etiópia, durante encontro com o ditador egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, Lula até conseguiu um protocolo para facilitar a exportação de carne brasileira. Um sinal de que a situação pode não estar completamente perdida. Ironicamente, a nova porta de entrada do Brasil no continente africano parece ser através do agronegócio, justamente um dos setores mais criticados pelo presidente.
*imagem Ricardo Stuckert/PR