Por Maurizio Spinelli*
O recente decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que regula o uso da força policial em todo o país, é um acinte ao ordenamento jurídico brasileiro e à inteligência do cidadão comum. É também flagrantemente inconstitucional, pois atropela o pacto federativo e invade atribuições exclusivas dos estados, sendo, na prática, uma cartilha que fragiliza a atuação policial enquanto concede (mais) garantias aos criminosos.
O artigo 18 da Constituição Federal assegura a autonomia dos entes federados, enquanto o artigo 144 deixa claro que a segurança pública é responsabilidade dos estados e do Distrito Federal em relação às polícias civis e militares. O decreto também ignora o disposto no artigo 25, §1º, que consagra a competência dos estados para organizarem sua administração de acordo com suas peculiaridades.
Ao determinar que o Ministério da Justiça “padronize procedimentos” e imponha diretrizes de atuação, o governo federal subverte a lógica federativa e tenta se colocar como tutor dos estados, como se governadores e suas polícias fossem incapazes de exercer suas funções. Se verifica, assim, uma clara usurpação de atribuições e um desequilíbrio no pacto federativo, tornado-o formal e materialmente contrário à Constituição.
O argumento da padronização é ainda mais absurdo num país com as dimensões e a diversidade do Brasil. Não estamos falando de um território do tamanho de uma cidadezinha europeia, mas de um gigante continental, em que cada estado enfrenta desafios únicos. No Rio de Janeiro, por exemplo, temos quase duas mil favelas dominadas por narcotraficantes e milicianos fortemente armados. Padronizar a atuação da polícia do Rio com a de estados cujas realidades nem de longe tangenciam essa complexidade é ridículo.
A elaboração de políticas de segurança pública deve estar alicerçada na vivência cotidiana dos agentes de segurança que atuam no terreno em turnos diários, em situações extremas de tensão e risco. Impor, “de cima para baixo”, regras uniformes elaboradas em gabinetes de Brasília por burocratas alheios à realidade local, tende a produzir efeitos contraproducentes. Em um cenário de criminalidade crescente, com armamento sofisticado em mãos de facções e narcoterroristas, e em que as polícias estaduais já enfrentam inúmeras dificuldades, esse tipo de decreto acaba por desmotivar e limitar (ainda mais) a atuação dos agentes.
No Rio de Janeiro os policiais enfrentam barricadas que são verdadeiras obras de engenharia, fuzis, artefatos explosivos e emboscadas. Como planejar ou minimizar o uso da força num cenário em que o inimigo não tem qualquer compromisso com a vida alheia? A tentativa de impor um manual único de conduta é, na prática, um convite à paralisia policial e à contínua expansão do domínio criminoso.
Mais do que um instrumento de controle, o decreto parece ser um “presentão de Natal” para os criminosos, como acertadamente classificou o governador fluminense Cláudio Castro.
Ao estabelecer que o uso de armas de fogo deve ser um “último recurso” e restrito a “profissionais habilitados”, o texto cria a impressão de que o problema do Brasil é o policial, e não o bandido. Quem são esses “profissionais habilitados”? Os policiais que estão na linha de frente, lidando com intensos tiroteios diários, ou os narcotraficantes?
O resultado mais perverso desse decreto não será sentido pelos idealizadores em Brasília, que vivem confortáveis em apartamentos funcionais e carros blindados. Será vivido pela população mais humilde, a quem o governo federal jura defender, que já sofre com a insegurança diária em suas comunidades e o cerceamento de direitos fundamentais. Sem forças de segurança atuantes, são essas pessoas que ficarão ainda mais expostas à violência, enquanto aqueles que idealizam normas absurdas permanecem protegidos por seguranças pagos pelo contribuinte.
Cabe às autoridades competentes buscar rapidamente a judicialização deste decreto. Mais do que nunca, é necessário reafirmar que segurança pública não é matéria para experimentos ideológicos. Cada estado, com suas forças policiais, sabe o que precisa ser feito.
Por fim, enquanto criminosos se fortalecem com garantias implícitas — e explícitas, como esse decreto—, o cidadão honesto é deixado à mercê da violência. A pergunta que ecoa é: quem será responsabilizado pela próxima vítima desse desmonte da segurança pública? Mesmo não gostando, já tenho o meu palpite.
- *Maurizio Spinelli é advogado, mestrando em Direito Penal e estudioso de segurança pública
É um texto bastante relevante e deveria ser lido por todos os envolvidos em seguranca publica, bem como os q sofrem com essa falta de seguranca.
Leiam e analisem