Intimação na mão, disfarces e criatividade: saiba como oficiais de justiça do TJRJ burlam as dificuldades da profissão

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Tem oficial de justiça cantando igual passarinho, gritando socorro em terreno baldio, correndo atrás de galinhas e até em confusão num sex shop. Essas e outras experiências vividas por esses profissionais fundamentais para a Justiça contam um pouco do que é a rotina, muitas vezes dura, mas também recheada de casos engraçados.

Em Santo Antônio de Pádua, Noroeste fluminense. Chega à Justiça uma denúncia de que na cidade funcionava uma casa de prostituição, motivo de muitas denúncias e queixas dos moradores. A missão foi dada para Andreia Nunes que teve que cumprir a diligência. O lugar vendia salgadinhos, refrigerantes, tudo normal em uma lanchonete. Ela ficou por algum tempo e não viu nenhuma movimentação estranha. Tampouco ninguém a abordou. Sentou-se, pediu alguma coisa e nada. Foi embora.

Mas só tinha um jeito. Voltou para o fórum da cidade e fez seu relato ao juízo com todas as vênias: “Para constatar que no endereço funcionava um prostíbulo, eu teria de ir à noite, me vestir a caráter, com roupas mais ousadas, sentar numa mesa e esperar alguém me cantar. Como isso não aconteceu, o caso não foi confirmado”, conta Andreia, há 32 anos como oficial de justiça da cidade. E se a casa de saliência parou de funcionar depois da visita de Andreia? Isso é um mistério até hoje.

Ela já contou postes numa ação contra uma concessionária de energia que teimava em dizer que tinha instalado tantos postes e que prestava um bom serviço, o que não era verdade; já participou de uma reconstituição de violência sexual no meio de um campo de pouso abandonado e “encenou a vítima gritando socorro, socorro, em busca de uma testemunha”.
Ameaças? Também já recebeu ao exercer a função, mas tudo acabou bem. Mas, com vasto currículo e uma coleção de ótimas histórias, Andreia não hesita em afirmar, às gargalhadas: “Ah, faria tudo do mesmo jeitinho”.

Como intimar um réu se ele tem irmão gêmeo?

Em cidade pequena, todo mundo se conhece. E, por isso, é mais difícil fazer cumprir uma intimação. O citado, sabendo de um processo em seu nome, foge, corre, se esconde quando vê um oficial de justiça.

Foi isso que aconteceu com Nilton Salles Freitas Júnior, em Itaocara, Noroeste do estado, há cerca de dois anos. Conhecido, tentou durante meses intimar um rapaz que tinha atropelado duas irmãs e o acidente resultou na morte de uma e na invalidez em outra. Não conseguia entregar a intimação.

Com o mesmo nome de sua mãe, ele conseguiu fazer com que a mãe do acusado, dona Rita, recebesse, finalmente, a intimação. A família conseguiu anular o ato. Mas, em seguida, a juíza do caso, renovou a citação.

Porém, tinha mais um problema. O réu tinha um irmão gêmeo idêntico.

Quando recebeu o papel, no meio de outras intimações, correu para a casa da família. “Foi tudo muito rápido. A juíza despachou nova intimação em minutos e a família estava chegando em casa junto comigo. Eu, no carro, pensei… Estão os gêmeos, o pai e o advogado. Como vou saber qual deles vou intimar? Eu gritei pelo nome do acusado, quando ele olhou para trás, falei: fulano, sou oficial de justiça e você foi intimado. Nossa, foi a glória. Uma luta que demorou quase dois anos”, conta.

Nilton, que já imitou o canto de pássaros para intimar um fujão da Justiça que se escondia em casa, mas adorava passarinhos e que só assim apareceu na janela, diz que para seguir na profissão, é preciso improvisar e ser criativo.

Negócio estranho na Sex Shop

Era um dia de trabalho como outro qualquer. Arthur Guerra recebeu um mandado de despejo de um sex shop dentro de um shopping, em Niterói. Imaginou que o local estivesse vazio. Não estava.

“Para minha surpresa o sex shop estava em pleno funcionamento, com pessoas escolhendo itens. Pedi, gentilmente para as pessoas se retirarem, como é a norma da nossa profissão. Fechei a porta e iniciei a diligência e comecei a relacionar os itens para irem para o depósito público. A princípio, tudo tranquilo, fitas de filmes eróticos, quatro fantasias de Tiazinha, colegial e enfermeira, tudo certo”, lembra ele, continuando: “Aí a coisa começou a ficar diferente. Tive dificuldade de relacionar um item e chamei o gerente e nomeei ele como auxiliar da Justiça. Algema de couro, chicotinho, etc. Mas, comecei a olhar aquelas coisas compridas, diferentes, e perguntei como iria nomear aquilo e ele foi me ajudando, ainda bem”, conta Guerra, que já contou sobre esse despejo até em congressos da categoria país afora.

Oficial de justiça do TRJ desde 1999, ele, por essas e outras, acabou escrevendo um livro para contar um pouco do cotidiano e de suas experiências chamado “Memórias de um Oficial de Justiça”.

A importância da profissão para a Justiça

A presidente do Sindicato e da Associação dos Oficiais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Claudete Pessôa, fala, como todos, do orgulho e da importância dos oficiais de justiça. Não só para cumprimento de mandados, mas para acabar com a invisibilidade errônea que muitos têm dos profissionais.

“Nós somos, mais que o longa manus da Justiça. Nós somos um agente transformador desse processo e sofremos muito com a insegurança, com a violência, mas colecionamos também casos engraçados que trazem até leveza na nossa missão. Foi-se o tempo e, hoje, somos mais reconhecidos na função, que não é a de meros entregadores de papel, um conceito social equivocado. Já conseguimos mudar muita coisa, mas temos ainda um longo caminho a percorrer”, diz Claudete, que do alto de seus 30 anos de luta diária, representa 1.250 oficiais de justiça em todo o estado.

O preconceito ainda ronda a profissão. E ela conta. “Quantas vezes, nós, no exercício do nosso dever, somos vítimas de misoginia. Estou eu e um policial para dar apoio ao cumprimento de mandado. A parte não fala comigo, prefere se dirigir ao policial se ele for homem. E isso é outra batalha que enfrentamos no nosso dia a dia”, conta a presidente do Sindojus/Aoja-RJ.

A fuga das galinhas

Casos engraçados Claudete também coleciona. Certa vez, foi fazer uma reintegração de posse e despejo de um terreno de uma mulher que se separara do marido e encontrou uma dúzia de animais no local. Para devolver o terreno à mulher, ela teria de tirar os animais e perguntou se a proprietária queria ficar com eles para terminar o ato. “Eu não quero nada daquele traste! Quero meu terreno”, berrava a mulher.

Foi uma luta para que alguém conseguisse pegar as galinhas que fugiam de todos no terreno. Corre daqui e dali, Claudete conseguiu uma kombi e alguém que ficasse com os animais.

Cumprida a missão, a presidente do Sindojus hoje passa pelo local e vê um condomínio bem erguido e lembra, também rindo: “Foi há 15 anos, mas nunca mais me esqueci essa história. Aqueles homens exaustos sem conseguir pegar os animais”.

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